quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Futsal e a Cultura Infantil

Wilton Carlos de Santana
Mestre em Pedagogia do Movimento pela UNICAMP (SP)
Doutorando em Educação Física na UNICAMP (SP)

As crianças quando chegam à escola de futsal trazem consigo toda uma
história de vida. São as suas experiências sociais, afetivas, intelectuais,
motoras, sensíveis. Esse conhecimento, segundo a realidade de cada criança,
será mais ou menos intenso, criativo, rico, diversificado. Em se tratando de
experiências motoras - que é um conhecimento de interesse para o esporte -,
essas são construídas e afirmadas nas relações da criança com o seu próprio
corpo, com o corpo do outro e com os objetos. Todas essas relações são
vivenciadas, obviamente, num determinado espaço e tempo.
Em geral, crianças têm cultura de uma série de brincadeiras. Entre meninos,
invariavelmente, têm as brincadeiras de bola. De jogar bola com os pés.
Penso que o professor deve aproveitar essa cultura infantil nas suas aulas de
futsal. Como? Introduzindo os jogos conhecidos por todos para ensinar as
habilidades, tanto básicas, quanto específicas. Por que? (1) Para que não haja uma ruptura brusca no jogar
bola da criança, (2) para que a mesma se sinta motivada, interessada, capaz, "em casa", (3) para que o
professor, a partir de algo conhecido, ensine novidades. Trata-se de tematizar(1) os conteúdos. Logo,
aproveita-se de uma brincadeira conhecida e dominada por todos, como por exemplo, o bobinho - que
ensina a passar, marcar e desmarcar - para praticá-lo de uma outra forma, mais atraente, em um nível
desconhecido e superior.
A meu ver, brincar na aula de esporte do que gosta e sabe pode ser relevante para quem inicia. Sugiro,
entretanto, que o professor:
a) Provoque uma reflexão sobre as atividades;
b) Desvele situações sobre as quais ninguém pensou antes;
c) Faça as crianças pensarem sobre o que irão fazer e, depois, sobre o que fizeram.
Tomar consciência sobre o que se faz é um indicativo para fazer melhor as coisas. Logo, é um
conhecimento que pode servir para a vida e não somente para a aula de esporte. É uma atitude que pode
ser generalizada para outras situações da vida.
O componente lúdico, de alegria, presente nas atividades conhecidas e as intervenções do professor
servem de ponte para que a criança construa novos conhecimentos. Caso contrário, pode-se ficar na prática
pela prática e não diferenciar o que se fazia fora do que se faz dentro da escola. E ainda: uma pedagogia
comprometida apenas em ensinar habilidades e desenvolver capacidades deixa a desejar em relação a
educar para a autonomia. E educar é um dever do professor de esporte e não uma concessão.
Seria muita pretensão do professor acreditar que a criança que entra na sua escolinha não tem
conhecimento de jogar bola com os pés e que se ensinará tudo a ela. Ainda mais pretensioso, seria
desprezar a cultura motora infantil como ferramenta pedagógica. Quantos brasileiros, famosos e anônimos,
aprenderam a passar jogando bobinho? Quantos de nós aprendemos a fintar (desmarcar) jogando pegapega?
A chutar brincando de disputa?
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(1) Para Lino de Macedo (1994, p.16) em Ensaios Construtivistas tematizar significa "... reconstruir em um nível superior aquilo que já é
realizado em outro nível. (...) é construir um novo conhecimento para um velho e ignorado saber".

Abraço.