quarta-feira, 21 de abril de 2010

A parte não gera o todo

Por João Paulo Freire

Existe também a crença geral no esporte de alto rendimento, atrelada a diversas outras crenças esclerosadas, de que é possível ensinar esporte a alguém, ensinando cada parte separadamente e, ao final, juntá-las num todo harmonioso. O resultado é que os atletas formados nesse conceito até conseguem mostrar habilidades específicas para controlar os gestos esportivos, porém, fracassam quando o jogo começa. Anos atrás, assisti a um jogo de futebol entre garotos japoneses e brasileiros da categoria infantil. Durante o aquecimento, observando as duas equipes, não percebi grandes diferenças no controle da bola: os japoneses eram tão hábeis quanto os brasileiros nos chutes, embaixadas e cabeceios. Minutos depois o jogo começou e, então, tudo ficou diferente. Os meninos brasileiros venceram o jogo com enorme facilidade. Outro exemplo interessante é ainda o de Pelé. Na seleção brasileira, formada naquele tempo por muitos craques, ele não era o melhor chutador, nem o melhor driblador, nem o melhor cabeceador e tampouco era o melhor lançador – só era o melhor jogador.
A alternativa a essa pedagogia da hiperespecialização, das rotinas exaustivas, da repetição infindável, da segmentação do gesto é o ensino contextualizado. A regra, no meu entender, deveria ser: futebol se aprende jogando futebol, basquetebol se aprende jogando basquetebol, e assim por diante. Os exercícios para corrigir gestos, aperfeiçoá-los, lapidá-los não deveriam constituir a tônica de nenhum treinamento, mas ocupar um tempo sempre menor que o de jogo. Além disso, com a regra de aprender a jogar jogando, poderiam ser criados inúmeros jogos para ensinar, por exemplo, a jogar handebol. Quantos pequenos jogos de futebol existem na cultura popular para as crianças aprenderem esse esporte? Se o professor quer ensinar determinado conceito – o de passar a bola, por exemplo -, por que não recorrer a um pequeno jogo? Dessa maneira, ele não retira o aluno do contexto do jogo, impedindo que ele perca a noção do todo na hora de aperfeiçoar uma parte específica.
Não por coincidência, textos de autores notáveis, em áreas diversas do conhecimento, reforçam minhas afirmações anteriores a respeito da aprendizagem e da formação da inteligência dessa maneira contextualizada. Relembrando os tormentos passados na aprendizagem da gramática e da anatomia, Bateson sugere que, “Podiam-nos ter dito qualquer coisa sobre o padrão que liga: que toda a comunicação necessita de um contexto, que sem contexto não há significado, e que o contexto confere o significado porque há uma classificação de contextos.” (13)
Em Terra Pátria, Morin e Kern alertam sobre a necessidade de uma reforma do pensamento:

Devemos pensar em termos planetários a política, a economia, a demografia, a ecologia, a salvaguarda dos tesouros biológicos, ecológicos e culturais regionais – por exemplo, na Amazônia, ao mesmo tempo as culturas indígenas e a floresta -, das diversidades animais e vegetais, das diversidades culturais – frutos de experiências multimilenares que são inseparáveis das diversidades ecológicas etc. Mas não basta inscrever todas as coisas e os acontecimentos num “quadro” ou “horizonte” planetário. Trata-se de buscar sempre a relação de inseparabilidade e de inter-retro-ação entre todo fenômeno e seu contexto, e de todo contexto com o contexto planetário. (14)

Eu ainda acrescentaria: e o esporte.

Abraços !!!