sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

2010 - 2011 PV na estrada

Engenheiros do Hawaii: entrevista com Humberto Gessinger Publicado em:
3.2.2010
Por: Henrique Inglez de Souza
Depois de comandar os Engenheiros do Hawaii por cerca de 23 anos, Humberto Gessinger resolveu dar um tempo na banda e encarar novos rumos. A caravana, agora, segue com o Pouca Vogal, um duo formado com o guitarrista Duca Leindecker (Cidadão Quem). O som deles é marcado por arranjos adornados por vocais, violão, viola caipira, guitarra, piano, entre outros instrumentos.

Voltar com sua famosa banda não é uma possibilidade descartada, mas, no momento, tal ideia passa longe de seus planos. Para não deixar tantos anos e sucessos do rock nacional pairando pelo ar, Gessinger decidiu colocar suas memórias de estrada na biografia ‘Pra Ser Sincero – 123 Variações Sobre Um Mesmo Tema’ (Belas-Letras), lançada em 2009 (foto).

As páginas do livro trazem boa parte da história dos Engenheiros do Hawaii, um dos grupos que tornaram o rock um estilo forte no Brasil dos anos 1980. Apesar de sua imagem ter sido bastante associada à figura de vocalista e baixista, Gessinger passou a maior parte do tempo empunhando o instrumento com o qual iniciou essa jornada: a guitarra.

Além da biografia, outro item relacionado à trupe gaúcha chegou às lojas no ano passado – na verdade, retornou às lojas. Foi o disco de estreia deles, ‘Longe Demais das Capitais’ (1986), relançado pela Sony Music com a série limitada ‘Meu Primeiro Disco’ (CD+LP). São deste trabalho canções como ‘Segurança’, ‘Toda Forma de Poder’, ‘Sopa de Letrinhas’ e a faixa-título.

Para falar desses assuntos, entrevistamos Humberto Gessinger. Confira!

Folheando o livro, acabei me deparando com a foto de uma bela coleção de Gibson SG. Por que sua preferência por esse modelo?

Além do som, gosto das SG porque ocupam uma posição legal no imaginário do rock. Não têm o heroísmo das Strato e Les Paul nem o “coitadismo” alternativo das Jaguar e Musicmaster, que viraram moda no período em que voltei à guitarra. Quanto às Telecaster, acho que me traumatizei depois de encomendar uma vintage e receber uma de metaleiro. As SG são, para a guitarra, o que os Rickenbacker são para o baixo.

Depois de 1994, com a saída do guitarrista Augusto Licks, os Engenheiros entraram numa certa constante troca de integrantes. Com isso, foi inevitável a mudança do som. No final das contas, você acha que foi positivo?

Não dá para analisar a vida em termos de “negativo” e “positivo”. Quase tudo carrega aspectos bons e ruins misturados. Como diz a música: “Teu maior defeito talvez seja a perfeição/tuas virtudes talvez não tenham solução”. Num mundo ideal, talvez as bandas nunca mudassem de formação, mas talvez esse mundo não precisasse de música. Costumo dizer que, se tivesse gravado ‘A Revolta dos Dândis’ na guitarra, o disco venderia muito mais, mas ficaria muito menos interessante. Não dá para comparar os vários guitarristas que passaram pela banda, pois cada um participou de um momento histórico diferente. Lendo o livro, dá para ter ideia da incrível mudança que ocorreu na cena da música neste período.

Essas trocas de integrantes revelam certa crise de identidade sonora em algum momento da banda?

Não. Se analisarmos os discos individualmente, veremos que todos têm sua força. Nisso, os Engenheiros do Hawaii sempre foram constantes. Às vezes, com mais exposição, às vezes, falando para os “fãs de fé”. Mas sempre convictos e sinceros. Quanto mais passa o tempo, menos importantes ficam os rótulos. O que fica é a música. Quando um disco sai, fala-se pouco da música e se dá muita importância às coisas acessórias, como quando o Radiohead lançou ‘In Rainbows’ e só se falava da forma como o disco seria vendido, tendo o preço decidido pelo comprador. Afinal, era um disco ou uma tese sobre economia no mundo globalizado?

Se a banda voltasse, você assumiria a guitarra ou o baixo?

No momento, não penso seriamente em voltar. Então, qualquer resposta seria tão subjetiva que não faria sentido.

Explique qual é a função do violão no Pouca Vogal.

No Pouca Vogal, o lance é analisar o formato como um todo. Toco violão, viola caipira, harmônicas e, ao mesmo tempo, faço as linhas de baixo com os pés. Forma e conteúdo são inseparáveis no Pouca Vogal. Tão importante quanto as músicas que estamos tocando é a forma como as estamos tocando. ‘Toda Forma de Poder’, por exemplo, só gravei com o Pouca Vogal por causa do arranjo que o Duca fez usando o violão como um instrumento de percussão e harmonia. É raro ver um duo na cena local. Muito mais raro, um duo formado por quem venha do rock. Com os Engenheiros, montei uma banda esquisita que, mal ou bem, se encaixou numa cena que existia. Com o Pouca Vogal, estamos inventando a nossa cena. Construindo a estrada para andar nela. Falando especificamente de violão, o Duca é o virtuose e eu jogo para o time. Minha viagem desde sempre foi mais a composição.

Escrever a biografia te serviu para fechar ou abrir um ciclo?

Fechar e abrir, claro. A vida não tem capítulos como as novelas. Espero voltar a tocar algum dia com o pessoal que me acompanhou na história dos Engenheiros do Hawaii. Mas será algo puramente nostálgico e eventual, reencontro e celebração. Não me vejo gravando material inédito como Engenheiros do Hawaii. Hoje, acho o Pouca Vogal uma plataforma mais coerente para expressar o que penso e sinto.

No ano passado, foi relançado o disco ‘Longe Demais das Capitais’. Para você, o que representa esse trabalho?

Ouvi ‘Longe Demais das Capitais’ outro dia e achei que envelheceu bem. É uma boa representação do que éramos. As virtudes e os defeitos estão todos ali. É muito sincero. Se eu voltasse aos Engenheiros do Hawaii hoje, acho que faria um som parecido. Espero que isso seja um bom sinal. Mas isso é só uma especulação. Nos próximos dois anos, ao menos, sigo só no Pouca Vogal.

Musicalmente, não há muito segredo nesse disco. É o som típico dos anos 1980: guitarras ora limpas com algum chorus, ora distorcidas. Nem todos sabem, mas você é o guitarrista neste disco. Fale da sua ideia para as partes de guitarra deste álbum.

Se, na época, eu não pensava no que fazia, não vai ser agora que vou pensar [risos]. Tivemos pouquíssimo tempo no estúdio, e isso foi bom. Basicamente, fotografamos o que fazíamos na estrada e fizemos poucos overdubs. Não queríamos desvirtuar a onda do trio. Também não queríamos escorregar e cair no heroísmo dos power trios. Não era nosso lance e nem tínhamos a técnica necessária. Gravamos sem clique, foi tudo direto, inclusive os efeitos. Há momentos em que o delay e a bateria começam a brigar. Mas acho bacana uma vibe “low-tech”.

Você se lembra dos equipamentos que utilizou para gravar?

Precariedade total! Eu ainda não tinha conseguido grana para comprar um amp legal. O produtor, Reinaldo Barriga, conseguia alguns amps emprestados, mas cada dia era um diferente. Era sempre uma surpresa: chegar ao estúdio e descobrir qual seria o amplificador do dia [risos]. A guitarra que aparece na capa é uma Fender Telecaster. Não era fácil conseguir instrumentos na época. Pedi para um amigo que vinha dos EUA trazer uma Tele clássica, sunburst, mas o cara me trouxe um modelo estranho, com dois humbuckings imitando DiMarzio, alavanca de metaleiro e na cor prateada. Fazer o quê? Era minha e me apaixonei por ela. Também usei uma Ibanez Allan Holdsworth vermelha. Comprei essa porque era fã dele. De efeitos, usei três pedais Boss: compressor, chorus e overdrive. Descolei um Voice Box para gravar a música ‘Fé Nenhuma’ e tenho até hoje. Voltei a usá-lo na canção ‘Na Veia’, um tempão depois.

Disponível emhttp://guitarplayer.uol.com.br, acessado em 05/fev/2010.